12 de outubro de 2010

da inveja e do deboche

eu odeio sentir inveja. sério, odeio mesmo, mas não posso me fazer de santa, como tanta gente que eu conheço faz, e fingir que eu só tenho sentimentos bons e puros. tsc tsc tsc. sinto inveja às vezes, infelizmente, e nem é da branca. é uma merda ver que as pessoas conseguem o que eu quero e eu não. sou qualificada, sou inteligente, sou gente boa, mas porra, porque não tá rolando? não sei quanto esforço a pessoa fez pra estar ali, é verdade. mas cara, essa coisa de 'tudo acontece na hora certa' às vezes me dá uma tremenda agonia. eu seguro o tranco, juro. eu meto a cara, não tô nem aí. e vim aqui escrever pra ver se esse sentimento horroroso vai embora logo. acho que está funcionando. tô pensando em quantos nãos a pessoa também deve ter ouvido até conseguir um sim. ou não.

3 de agosto de 2010

da rapidez que demora

a verdade é que a gente acostuma meio que rápido demais. nos três primeiros meses era uma dor sem tamanho, que piorava a cada dia. não é exagero. a cada abrir de olhos a ferida ardia mais, como se jogassem álcool nela a cada cinco minutos. depois fica dolorido. a gente chora. eu chorei. a cada velhinho, a cada bengala, a cada lembrança do hospital das Clínicas. chorava no meio da rua, com as pessoas me olhando como se eu fosse um ET. depois melhora. nos últimos dois meses eu não lembrei da morte dele no dia 25. depois me senti culpada, quis chorar por isso. não entrei mais no quarto, nem quero que ninguém entre. ainda não tirei a escova de dentes dele do armário do banheiro. nem abro aquele armário. é dele. vai ser sempre dele. a vida vai entrando nos eixos. o buraco continua lá, mas a gente tenta não dar tanta atenção, finge que as outras coisas são mais importantes e, no fim das contas, a gente acaba se convencendo de que são mesmo. olho pra foto, pra última foto dele realmente saudável. foi no casamento da minha irmã. ele estava bonito, corpulento, feliz da vida. comeu horrores na festa. bebeu, brincou, sorriu. três dias depois eu o encontrei caído e gelado no quintal. achei que ele ia morrer, mas dois anos se passaram até que ele fosse embora de fato. dois anos de internações extensas, tranfusões de sangue, exames crueis e algumas visitas no prédio amarelo, perto da Rebouças. quanta dor dele. se a minha dói, a dele é incomparável. acho que outro dia sonhei com ele. estávamos sérios, os dois. só nos olhamos. não era raiva, era só a normalidade. sem medo, sem culpa e sem saudade. hoje eu ainda sinto tudo isso. e a tendência é que a normalidade, daqui a pouco, seja isso.

17 de março de 2010

sem ele

eu nunca imaginei como alguém se sente depois de uma perda. na verdade, nem é possível imaginar sem passar por isso. eu pensei que não ficaria tão abalada, que a vida seguiria, como todo mundo fala que acontece, mas a vida muda. eu mudei, muito. metade das coisas que eu conheço perderam completamente o sentido. eu estou retraída, tentando me esconder do mundo e da dor que eu sinto latejar o tempo todo. como se fosse possível. me afastei um pouco da vida depois da morte. fico quietinha no meu cant,o tentando entender como as coisas acontecem. de um dia pro outro tudo está diferente. o mais estranho é pensar que em um mundo com centenas de milhares de pessoas, uma faz falta. uma falta enorme, inexplicável. um espaço vazio faz mudar o mundo inteiro de alguém. e eu não sei, sinceramente, se eu vou me acostumar com isso algum dia. todo mundo diz que sim, mas eu acho que não.

6 de março de 2010

adeus você

eu nunca imaginei que me sentiria assim. pra falar a verdade, eu sempre pensei - e penso - muito na morte, mas quando acontece não parece uma coisa real. desde pequena eu imagino como seria perder os meus entes queridos. dái eu choro, sofro, desisto de pensar e pronto, fica tudo bem. agora é diferente de tudo, ainda mais por ser ele. minha relação com o meu avô não é algo que eu possa explicar. ele era completamente diferente de mim no modo de agir. pelo menos eu achava isso quando ele estava vivo. ele fez umas besteiras, magoou umas pessoas de quem eu gostava, e isso sempre mexeu muito comigo. morávamos na mesma casa, mas ele era o mais distante. preferia os outros, os puxa-sacos, os que sempre tinham uma segunda intenção quando davam carinho. aí ele adoeceu. ai eu comecei a acordar toda madrugada pra ver como ele estava, pra ajudar, pra acalmar. nossa relação ficou intensa, até cansativa, se é que eu posso chamar assim. mas ainda distante. eu me culpei muito quando ele foi embora. ainda me culpo, talvez por ser tudo muito recente. o passado não é mutável, mas algumas coisas a gente começa a entender com o passar dos dias. eu tive os meus motivos. ele me deu motivos. por mais que eu tenha sido injusta em alguns momentos, eu fui  melhor neta que eu pude ser. a mais preocupada, a mais presente, a que mais esteve perto. e eu o amei muito. um amor diferente do que o que eu sinto pelas outras pessoas. um amor que ficou um tempão escondido, que às vezes se mostrava sob uma capa protetora e que se mostrou completamente quando eu tive que ir embora do cemitério e deixar ele lá sozinho. os outros netos nunca souberam que ele tinha medo de escuro e dormia com a luz acesa. os outros netos não sabem que tipo de música ele ficava ouvindo mil vezes sem parar. os outros netos não sabiam que ele gemia enquanto dormia. os outros netos não sabiam de nada. e eu não vou esquecer nunca tudo o que eu sei a respeito dele. e ainda que tudo continue estranho, acho que ficaremos mais próximos agora, que as palavras são completamente desnecessárias pra que a gente esteja junto um do outro.