3 de agosto de 2010

da rapidez que demora

a verdade é que a gente acostuma meio que rápido demais. nos três primeiros meses era uma dor sem tamanho, que piorava a cada dia. não é exagero. a cada abrir de olhos a ferida ardia mais, como se jogassem álcool nela a cada cinco minutos. depois fica dolorido. a gente chora. eu chorei. a cada velhinho, a cada bengala, a cada lembrança do hospital das Clínicas. chorava no meio da rua, com as pessoas me olhando como se eu fosse um ET. depois melhora. nos últimos dois meses eu não lembrei da morte dele no dia 25. depois me senti culpada, quis chorar por isso. não entrei mais no quarto, nem quero que ninguém entre. ainda não tirei a escova de dentes dele do armário do banheiro. nem abro aquele armário. é dele. vai ser sempre dele. a vida vai entrando nos eixos. o buraco continua lá, mas a gente tenta não dar tanta atenção, finge que as outras coisas são mais importantes e, no fim das contas, a gente acaba se convencendo de que são mesmo. olho pra foto, pra última foto dele realmente saudável. foi no casamento da minha irmã. ele estava bonito, corpulento, feliz da vida. comeu horrores na festa. bebeu, brincou, sorriu. três dias depois eu o encontrei caído e gelado no quintal. achei que ele ia morrer, mas dois anos se passaram até que ele fosse embora de fato. dois anos de internações extensas, tranfusões de sangue, exames crueis e algumas visitas no prédio amarelo, perto da Rebouças. quanta dor dele. se a minha dói, a dele é incomparável. acho que outro dia sonhei com ele. estávamos sérios, os dois. só nos olhamos. não era raiva, era só a normalidade. sem medo, sem culpa e sem saudade. hoje eu ainda sinto tudo isso. e a tendência é que a normalidade, daqui a pouco, seja isso.

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